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“Pedi água e me deram com creolina”, conta gari em comissão geral na Câmara Legislativa 

Relatos de discriminação e condições insalubres marcaram debate sobre projeto de lei que regulamenta profissão 
Publicado em 26/06/2025 19h45

Foto: Carolina Curi/ Agência CLDF

Jornadas longas e exaustivas; sob o sol ou sob a chuva; sem banheiro e sem água, e sem valorização financeira ou social. Essa é a realidade vivida pelos trabalhadores da limpeza urbana no Distrito Federal. O assunto foi tema de comissão geral, no plenário da Câmara Legislativa, nesta quinta-feira (26/6).  

Conduzido pelo deputado Chico Vigilante (PT), o debate reforçou a importância da aprovação do projeto de lei federal nº 4.146/2020, que “regulamenta a profissão de trabalhador essencial de limpeza urbana”.  

O parlamentar destacou que a proposta estabelece um piso nacional para os garis no valor de dois salários mínimos mensais e avaliou: “É pouco, mas hoje um gari ganha R$ 1.675, então vai ajudar bastante”. Dirigindo-se aos trabalhadores presentes no plenário da Casa, disse: “Sem vocês, a cidade estaria muito mais feia e doente”.

 

Foto: Carolina Curi/ Agência CLDF


 

O trabalho desempenhado pelos garis para a limpeza urbana e, também, para a saúde pública foi enaltecido em vários discursos. “A origem dessa profissão foi, exatamente, para combater doenças. Eles trabalham todos os dias em prol da saúde dos outros e correndo risco”, apontou Luiz Saraiva, da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (Contracs). “Esses trabalhadores merecem respeito não só em discursos, mas nos seus direitos”, cobrou.

“O ambiente de vocês é a rua, é insalubre; estão expostos a riscos biológicos, físicos e químicos, falta banheiro e há preconceito”, relatou a pesquisadora da Fiocruz Cláudia Jannotti, após reforçar a importância da limpeza urbana para o meio ambiente a saúde.  

Por sua vez, Rodrigo Rodrigues, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), pregou valorização financeira e social para a categoria. “Só é lembrada quando começa a acumular lixo”, criticou. Ele defendeu equipamentos de proteção individual (como luvas, sapatos etc.) adequados e “dinheiro no bolso”. 

Representando o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Mariel Angeli Lopes disse que a maior parte dos trabalhadores da limpeza urbana no Brasil são mulheres. No DF, são mais de 7 mil mulheres e 4,5 mil homens.  

Com relação aos problemas de saúde vivenciados, a estudiosa abordou a grande incidência de casos de infecção urinária, de dores nas costas e problemas de coluna. “Recolhem diversos tipos de resíduos que trazem riscos à saúde”, acrescentou.

Mariel Lopes destacou, também, que as jornadas de trabalho são “longas e exaustivas” e que faltam espaços de descanso.

 

Foto: Carolina Curi/ Agência CLDF


Preconceito e violências 

O diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Limpeza Urbana do Distrito Federal (Sindlurb-DF), José Cláudio de Oliveira, elencou uma série de casos de discriminação vividos pelos garis: água de mangueira para matar a sede; cuspe em água servida no copo; impedimento de uso de banheiro ou de consumo de comida em restaurante com outros clientes, além de episódios de agressões físicas.

“Esses trabalhadores merecem mais do que respeito, merecem salário digno, insalubridade, aposentadoria especial e jornada de 36 horas”, defendeu o sindicalista. Ele ainda arrematou: “Este nosso serviço de limpeza urbana adoece o trabalhador: com dez anos de trabalho, está praticamente inválido”.

A varredora Antonia Balbina da Silva reforçou a fala do representante do Sindlurb-DF: “Os garis estão doentes, estressados; trabalham com medo e fatigados”. 

A trabalhadora Maria Ester da Silva dos Santos relatou situações vividas pessoalmente: “Pedi água na casa de uma senhora, e ela colocou creolina na minha água; uma outra vez, numa distribuidora, disseram só ter água do banheiro”. Ela finalizou dizendo: “Tenho até medo de pedir água”.

 

Foto: Carolina Curi/ Agência CLDF


Regulamentação da profissão

Os garis apostam na aprovação do PL nº 4.146/2020 em busca de valorização e dignidade. Além de estabelecer um piso salarial, o texto prevê pagamento por insalubridade, jornada de 40h e aposentadoria especial.

O diretor-adjunto do SLU, Cleilson Gadelha Queiroz, lamentou que o projeto esteja há tanto tempo em tramitação; e o representante do Sindicato de Limpeza Urbana do DF, Raimundo Nonato, reclamou que a proposta “não tem fonte de custeio”.

A expectativa da deputada federal Erika Kokay (PT/DF) é que a matéria passe pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados na próxima semana. “Esperamos aprovar ainda este ano”, disse. “É preciso dar dignidade a quem dá dignidade à cidade”, concluiu.

Denise Caputo - Agência CLDF