Após debate, CLDF deve enviar ofício ao GDF para suspender despejos até votação do PDOT
Após debate, CLDF deve enviar ofício ao GDF para suspender despejos até votação do PDOT
Foto: Carolina Curi/ Agência CLDF

O debate foi proposto e conduzido pelo deputado Fábio Felix
A sessão ordinária da Câmara Legislativa desta quinta-feira (2) foi transformada em comissão geral para discutir os desafios à implementação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT). As áreas de regularização de interesse social (Aris) e o direito à moradia digna estiveram no centro do debate.
Como desdobramento, o deputado Fábio Felix (PSOL), que conduziu a discussão, sugeriu o envio de um ofício assinado por ele e pelo presidente da Casa, Wellington Luiz (MDB), ao govenador Ibaneis Rocha, pedindo a suspensão das derrubadas de casas até a votação do PDOT. Além disso, o parlamentar acatou a sugestão de organizar um seminário/debate com especialistas na área de ocupação e ordenamento territorial antes da apreciação do projeto de lei complementar nº 78/2025, que aprova o PDOT.
Felix informou que a proposição deve ser votada em dezembro, conforme acordado pelo Colégio de Líderes. Ainda segundo ele, todas as alterações ao texto do Buriti – a serem apresentadas na forma de emenda – devem ser protocoladas este mês.

Áreas de interesse social
O professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do projeto “Vida & Água para Aris”, Perci Coelho de Souza, avaliou que a proposta do PDOT pode significar uma “tragédia socioambiental anunciada” para as áreas de regularização de interesse social. Ele elencou discrepâncias nos números e áreas de Aris, considerando diferentes fontes: o geoportal do GDF, o IBGE e a Secretaria de Habitação.
De acordo com o especialista, até 2024, o Distrito Federal tinha 56 Aris. O PLC do PDOT prevê 84. “Toda a poligonal do Recanto das Emas, de Santa Maria e do Paranoá passou a ser Aris. É um contrassenso do ponto de vista do conceito. O que está por trás dessa mudança conceitual de Aris? Na nossa opinião, tem as mãos do sujeito oculto sempre nessas audiências, que é a Terracap, o interesse de mercantilização dessa tragédia que está se tornando os despejos na periferia”, defendeu o professor.
As derrubadas de casas dos moradores de várias Aris foram tema de diversas manifestações ao longo da comissão geral. “Hoje, áreas consolidadas e que estão até na minuta do PDOT estão sofrendo com derrubadas truculentas. Somente esta semana, 35 moradias foram derrubadas no Morro da Cruz, em São Sebastião”, lamentou Romário Leal Lobo.
Assim como outros participantes, a deputada federal Erika Kokay (PT) pregou a suspensão desses despejos até a votação do PDOT – que prevê a regularização de muitas dessas áreas ocupadas. “Tem que pensar nas pessoas quando se organiza um plano diretor de ordenamento territorial”, reforçou. A parlamentar aproveitou para sugerir que o debate seja levado, também, para a Câmara dos Deputados, na forma de audiência pública, “para fazer ponte com o governo federal”.

Moradia digna
“Vivemos hoje as consequências da ocupação sem planejamento ou compromisso do Estado com a vida”, afirmou Lúcia Mendes, do Fórum em Defesa das Águas, Clima e Meio Ambiente. “Cabe ao Estado organizar a ocupação, garantindo políticas de habitação digna; não se trata apenas de um teto sobre as cabeças, pressupõe serviços básicos. E o PDOT deveria ter como centralidade essa defesa da vida”, destacou. A militante concluiu: “Temos a oportunidade de transformar a cidade em um lugar mais justo e inclusivo. O desafio desta Casa é enorme e urgente”.
Por sua vez, a subsecretária de Políticas e Planejamento Urbano (Suplan) da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Juliana Machado Coelho, dedicou-se a explicar o capítulo do projeto de lei complementar do PDOT intitulado “Promoção de Moradia Digna”. Segundo informou, o texto resulta da análise das áreas do PDOT vigente que ainda não foram ocupadas; aquelas que eram para oferta de habitação de interesse social e ainda não foram parceladas; bem como da avaliação do déficit e da demanda habitacional, a partir de estudos do Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF).
De acordo com a subsecretária, a proposta tem três estratégias: a provisão habitacional, a regularização fundiária e o zoneamento inclusivo, “pensando sempre no direito à cidade”. A gestora explicou, também, que a quantidade de Aris foi ampliada porque há muitas ocupações já consolidadas.
Alerta: vazios urbanos
O engenheiro e pesquisador do projeto “Vida & Água para Aris”, Adauto Santos, apresentou números do Censo 2022 e projeções populacionais do IBGE para o Distrito Federal para fazer o alerta: “Estamos correndo o risco de implementar grandes vazios urbanos”.
Uma projeção do IBGE estima que, em 2077, a população do DF será menor do que a de 2022, ano em que a unidade federativa registrou 2.817.000 moradores. O pico populacional seria em 2042, quando a população projetada seria de 3.118.000 habitantes.
“Quando o PDOT pega todas as áreas passíveis de urbanização e coloca as densidades máximas previstas, nós conseguimos colocar nessas áreas 10 milhões de pessoas. É uma total dissociação, e isso pode gerar problemas gravíssimos ao meio ambiente”, explicou o pesquisador.
Adauto Santos levantou, ainda, outra reflexão: “Segundo o Censo de 2022, tínhamos 182.657 domicílios vazios no DF e tínhamos um déficit habitacional de 100,7 mil unidades imobiliárias; ou seja, mais unidades vazias do que déficit habitacional. E por que há pessoas sem casa?”. Ele mesmo emendou com a resposta: “Porque mais de 65% desse déficit estão na população de classe média baixa e baixa. E onde estão os imóveis vazios? Com a classe média alta. E as políticas do governo são para fazer loteamento para a classe alta, como o Setor Jóquei Clube e a 3ª Etapa do Taquari”.

PDOT
A Constituição Federal determina que o plano diretor de ordenamento territorial é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes. Ele é o instrumento central da política de desenvolvimento e expansão urbana. Seu objetivo é assegurar as funções sociais da cidade e o bem-estar de seus moradores.
O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) e a Lei Orgânica do DF também exigem a elaboração desse plano diretor. Essas normas definem o conteúdo mínimo do planejamento e determinam sua revisão a cada dez anos. No DF, ainda está em vigor o PDOT estabelecido pela Lei Complementar nº 803/2009. O PLC que revisa o plano diretor foi enviado pelo Executivo em agosto deste ano.
Denise Caputo - Agência CLDF