Presidente da CPI diz que ex-comandante da PMDF foi traído
Presidente da CPI diz que ex-comandante da PMDF foi traído
Foto: Reprodução/TV Câmara Distrital

A oitiva durou cerca de quatro horas
A afirmação ocorreu durante oitiva do ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, coronel Fábio Augusto Vieira, realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) nesta quinta-feira (11).
Para entender a declaração, vale acompanhar o contexto. O presidente da CPI, deputado Chico Vigilante (PT), estava questionando o coronel Fábio Augusto sobre as falhas de planejamento e execução para os atos do dia 8. “Pelo que nós já investigamos e pelo que o senhor está dizendo, não foi cumprido nada do que estava planejado. E isso não é normal na PM”, indagou o petista. “O normal é que, saindo da reunião [de integração das forças de segurança] no dia 6 de janeiro, fosse feito um plano de operações. Eu tomei conhecimento, após o relatório do interventor, de que não teria sido feito um planejamento escrito, um plano de operações ou uma ordem de operações”, afirmou o ex-comandante.
“Se isso não é normal, quem falhou, quem errou e por que fizeram”, perguntou Vigilante. “Quem tem obrigação de fazer o planejamento é o DOP [Departamento de Operações da PMDF]. O chefe do DOP era o coronel Paulo José, em exercício, e o coronel Naime [titular do cargo] que estava afastado. Eu ainda falei com o coronel Paulo José, no sábado, para aumentar o efetivo. O que havia sido me passado é que seriam cerca de 440 homens e que o efetivo seria suficiente. Eu pedi um aumento e pedi também que fossem empregadas as forças especializadas, solicitei a presença de mais efetivo e falavam que as providências estavam sendo tomadas. Quando houve o rompimento da linha em frente ao Congresso Nacional, eu estava na linha. O primeiro policial ferido foi o comandante-geral”, respondeu o depoente.
Então, Chico Vigilante manifestou sua conclusão. “Pelo que o senhor está declarando, a minha constatação é que o senhor foi traído. Eu estou afirmando, o senhor foi traído”, declarou o presidente da CPI.
No mesmo sentido, o relator da CPI, deputado Hermeto (MDB), disse crer que o ex-comandante não tem culpa no episódio. “Eu era soldado ou cabo, não lembro. Nós praças até falávamos mal dos oficiais que planejavam as ações. A gente dentro dos ônibus ou em pé na Esplanada, tinha a noção e dizia assim: o que estamos fazendo aqui tanto policial para pouco manifestante. Está aí a explicação. O planejamento sempre é maior do que o esperado. De todas as manifestações que participei, e não foram poucas, nosso efetivo sempre era bem maior que o dos manifestantes. Algumas vezes, a gente fica dentro dos ônibus, esperando que aumentasse o número de manifestantes. Todo mundo ali já sabia o que faria, qual linha tomaria, onde ficaria e, se saísse do seu lugar, responderia administrativamente. Era muito difícil para os manifestantes ultrapassar nossas barreiras. Por isso que nunca houve na história de Brasília o que aconteceu dia 8. Faltou planejamento. Alguém dentro da secretaria ou dentro da própria corporação trabalhou contra o senhor. A sua prisão foi injusta. Agora, a responsabilidade naquele momento era sua. Algumas forças trabalharam contra você e essa CPI vai chegar lá”, afirmou Hermeto.
Hermeto ainda reforçou a pergunta sobre o efetivo, querendo saber se o ex-comandante havia pedido mais efetivo também no próprio dia 8. “Cobrei para o coronel Casemiro e para o coronel Paulo José. Eles disseram que o efetivo estava chegando. Eu não sei dizer onde chegou ou mesmo se chegou. Eu havia sido informado constantemente que as providências estavam sendo tomadas. Esses oficiais que estavam à frente têm mais de 29 anos de serviço e à época, como comandante, gozavam da minha confiança”, disse o depoente.
Planejamento
O depoente também falou diversas vezes sobre a falta de planejamento e as consequências dessa falha. O deputado Fábio Felix (Psol) questionou a falta do plano operacional. “O senhor falou que, depois do Plano de Ação Integrada (PAI), deveria haver um plano operacional feito pelo DOP. Ninguém sabe dizer objetivamente quantos policiais militares tinham ali. Não ter sido feito é um erro grave?”, indagou o deputado. “Tive conhecimento depois, pelo relatório do secretário interventor, que não foi feito. Esse plano é que detalha a execução da operação, sem ele não dá para saber exatamente nem onde cada policial vai trabalhar, onde vai ser empregado, qual meio logístico vai ser empregado, as comunicações... É um erro”, declarou o ex-comandante.
Em outro momento, Fábio Augusto detalhou um pouco mais a questão. “Não tinha sequer comando móvel, que é o local onde o policial se apresenta para receber a missão. Isso tinha que constar no planejamento escrito. É uma falha. Não havia equipamento de proteção individual na parte logística. Inclusive esse é um dos grandes problemas da linha que estava posicionada em frente ao Congresso. O responsável por isso é o DOP”, afirmou o coronel.
O líder de Governo, deputado Robério Negreiros (PSD), perguntou sobre imagens que mostram uma grande diferença entre o número de policiais e de manifestantes, além de alguma possível falta de ação de policiais. “Imagens mostram uma grande diferença no número de policiais e manifestantes. Além de alguns policiais parados em frente à Catedral enquanto tudo acontecia nos prédios da Câmara, do Senado, do STF. Como o senhor vê isso?”, indagou. “Quero esclarecer que, como o planejamento não foi escrito, fica prejudicado porque ele precisa englobar toda a área central. Precisa ter policiamento na Catedral, nos ministérios, nas vias de acesso adjacentes. Por isso, quando se fala em efetivo maior, engloba toda a área”, explicou Fábio Augusto.
Ligação
O deputado Fábio Felix também questionou o depoente sobre ele ter incluído em seu depoimento ao inquérito uma ligação durante as invasões. “O senhor falou que no meio da confusão encontrou o coronel Naime, estranhou a presença dele, e o senhor conta que o coronel Naime recebeu uma ligação [na qual o interlocutor] fala para ele sair do terreno. O senhor sabe de quem é?”, questionou Fábio Felix. “Ele não me relatou. Eu inclusive cheguei a abordá-lo e perguntar quem era. Ele só me disse que não era o governador. Cerca de 20 minutos depois ele bateu nas minhas costas e falou: zero um, estamos juntos até o final”, contou o ex-comandante.
Cavalaria
Perguntado sobre falta de policiamento especializado, Fábio Augusto respondeu: “Vou relatar um episódio que aconteceu com o comandante da Cavalaria. É uma pessoa que eu conheço há mais de 20 anos e quando o encontrei, na Praça dos Três Poderes, não o prendi, mas disse a ele que se preparasse, que seria exonerado porque à minha época de Cavalaria eu jamais deixaria aquilo acontecer. Ele ficou calado na hora.
Depois, quando eu estava preso e fiquei no batalhão que ele comanda, ele me falou que a Cavalaria não havia sido acionada, sendo que eu tinha enfatizado que as unidades especializadas eram para ser empregadas, todas. O Choque tinha uma fração que foi posicionada de um lado e a Rotam do outro lado. Só que se mostrou ser em número insuficiente depois do rompimento da linha. Eu entendo que a falha é a falta de um planejamento operacional que deveria ter sido feito pelo DOP. Não ficou esclarecido para mim, se o coronel Paulo José havia atribuído [a missão de fazer o planejamento] ao comando do Primeiro CPR, por exemplo, que é subordinado a ele”, disse Fábio Augusto.
A deputada Paula Belmonte (Cidadania) chamou atenção para um documento em que só existe a convocação de duas forças especializadas. “Há um protocolo assinado por Paulo André Vieira [na data respondia pelo comando de Policiamento de Missões Especiais] em que ele só coloca dois batalhões, que são a tropa de Choque e a Rotam. E o restante das operações não foram feitas”, afirmou a parlamentar. A deputada também protestou pelo fato de a oitiva do coronel Klepter, comandante da PMDF, estar marcada apenas para o dia 29 de junho. “É a última semana, em meio à votação da LDO”, declarou Belmonte.
Sobreaviso
Em vários momentos durante outras reuniões da CPI, membros da comissão e da PM já abordaram a diferença entre a tropa estar de sobreaviso ou de prontidão. E membros da PM explicam que há duas situações distintas. Quando os policiais estão de sobreaviso, aguardam em casa e, caso necessário, são chamados ao quartel, onde ainda receberão equipamentos, se agrupar e se deslocar ao local da ocorrência. Em sentido diverso, quando a tropa está em prontidão, os policiais já estão no quartel, uniformizados, equipados e agrupados, sendo necessário somente o tempo de deslocamento ao local da ocorrência.
Nesta reunião, o assunto surgiu novamente. O deputado Hermeto perguntou ao coronel sobre quem teria dado ordem para que a tropa ficasse de sobreaviso e não de prontidão. O ex-comandante respondeu ao questionamento do relator. “O que chegou ao meu conhecimento, pelo subcomandante-geral, foi que o DOP não havia solicitado prontidão da tropa porque entendia que o efetivo era o necessário para o êxito da operação e, a partir daí, preventivamente, o subcomandante deixou de sobreaviso”, explicou o coronel.
O deputado Pastor Daniel de Castro (PP) também perguntou sobre o assunto. “Quem deu a ordem para sobreaviso?”, indagou o deputado. “A circular foi assinada pelo subcomandante-geral, coronel Klepter”, respondeu. E o deputado Daniel de Castro insistiu. “Por que pela sua fala anterior, pareceu que o responsável geral foi o coronel Paulo José, inclusive há um requerimento meu para convocá-lo para CPI”, afirmou o pastor.
Acampamento
Outro assunto recorrente na CPI é o acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército. “Em algum momento, identificou-se que o acampamento representava perigo para a ordem pública. Houve várias tentativas de desmobilização. Qual sua opinião sobre o acampamento”, questionou Hermeto. “Tentamos fazer a desmobilização por quatro vezes. Na noite do dia 8, recebi uma ligação do general Dutra [comandante Militar do Planalto], perguntando o que estava acontecendo que as tropas da PM estavam se dirigindo até o acampamento. O general solicitou uma reunião, que foi realizada em frente à Catedral Rainha da Paz, na qual participou o interventor e eu também. Se não houvesse a reunião, poderia ter tido confronto entre a polícia e o exército”, respondeu o depoente.
Em outro momento, Fábio Augusto conta que o clima estava muito tenso no acampamento na noite do dia 8. “Mesmo se não tivesse a intervenção no DF, a ideia era desmobilizar. Quando nós chegamos lá, havia uma formação do exército na frente, com vários militares e dois blindados apontados para a via N1. O exército que não permitiu a entrada da PM. Quem falava em nome do exército era o general Dutra, comandante Militar do Planalto. Depois, em uma reunião lá dentro do CMP, estava presente o general Arruda, que naquela data era o comandante do Exército”, relatou Fábio Augusto.
Forças federais
O deputado Joaquim Roriz Neto (PL) questionou sobre alguma falha das forças de segurança federais. “Na sua opinião, qual o grau de responsabilidade ou de conivências das forças da União ou de cada Poder na invasão da Praça dos Três Poderes?”, perguntou. “Relativo aos órgãos federais, em que pese eu ter percebido que havia um pequeno número de efetivo, como não tive acesso a relatório sobre eles, não tenho como responder. Só posso dizer que quem eu vi no terreno, vi atuando de forma combativa, integrada com a PM e isso contribuiu para restabelecer a ordem”, respondeu o coronel.
Gabinete de crise
O deputado Max Maciel (Psol) questionou sobre o monitoramento da manifestação e a instauração de gabinete de crise. “O secretário Júlio Danilo [ex-secretário de Segurança Pública do DF], quando surgia operação com certa ameaça, de imediato, ele convocava os chefes das forças para uma reunião e instalava o gabinete de crise. No dia 8 eu não recebi da parte da secretaria nenhuma convocação neste sentido. O monitoramento não significa a instalação [automática] do gabinete de crise. Naquele dia, até o rompimento das linhas, não tinha sido instalado o gabinete de crise. Ele é instalado após o rompimento e eu nem sei dizer se foi a Secretaria ou se já com o interventor”, respondeu o policial militar.
Grades de proteção
O deputado Thiago Manzoni (PL) protestou por, anteriormente, ter pedido uma questão de ordem que foi negada pelo presidente da CPI, deputado Chico Vigilante. Além disso, Manzoni também questionou o depoente sobre as grades de proteção colocadas na Praça dos Três Poderes. “Os gradis normalmente são colocados com o barramento ou sem o barramento?”, inquiriu. “Em todas as manifestações nas quais estive presente, à exceção do dia 8, eram com barramento porque isso traz uma segurança na contenção”, respondeu o ex-comandante.
Então, o deputado insistiu. “A inexistência do barramento inviabilizou a contenção daqueles criminosos?”, perguntou Manzoni. “Sim, inviabilizou porque quando eles se aproximaram, puxaram e, como não estavam travadas, as grades foram para o chão por um lado e por outro, permitindo que atropelassem o policiamento no efeito manada”, declarou o ex-comandante da PMDF.
Prisão
Vale registrar que o coronel ficou preso entre o dia 11 de janeiro e 3 de fevereiro por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida ocorreu porque, à época, Fábio Augusto foi apontado como provável responsável, por ação direta ou omissão, resultando na falha de segurança ocorrida nos atos de 8 de janeiro.
Fábio Augusto é bacharel em direito com pós-graduação em Ciências Políticas. Está na PMDF desde os 17 anos, quando ingressou por concurso público como cadete. Passou ainda pelo curso de formação de oficiais e de altos estudos pela Academia de Polícia Militar de Brasília. Foi comandante do Regimento de Polícia Montada, do Segundo Comando de Policiamento Regional Sul e do Primeiro Comando de Policiamento Regional. Antes de chegar ao posto de comandante-geral da PM, Fábio Augusto chefiava a Subsecretaria de Operações Integradas da Secretaria Executiva de Segurança Pública (SSP-DF).
Francisco Espínola - Agência CLDF