Debate coloca política punitivista do uso de drogas na berlinda
Debate coloca política punitivista do uso de drogas na berlinda

Tema em evidência no cenário nacional, a criminalização do uso de drogas foi discutida em audiência pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal nesta segunda-feira (3). O debate, promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar, colocou em evidência as fragilidades da política de combate ao uso de drogas no Brasil.
Conforme destacou o presidente do colegiado na CLDF, deputado Fábio Felix (PSol), a política de drogas, embora federal, tem impacto direto em diversas políticas locais de saúde, segurança e assistência social. O distrital defendeu um debate franco e plural sobre o assunto: "Precisamos ouvir as diferentes partes e acolher o contraditório. Mas o debate político exige, também, transparência de meu ponto de vista: é uma questão complexa, e eu defendo mudanças na forma como a sociedade vê o problema".
"O consumo de drogas causa danos, mas a forma como temos lidado com isso tem causado mais danos", continuou Felix. O parlamentar destacou ainda que, na guerra às drogas, os mais afetados "têm cor e endereço".
Repressão – Diversos participantes da audiência pública colocaram o viés repressivo/punitivista da legislação que trata do uso de drogas como um ponto a ser repensado. "Não digo que as drogas são inofensivas ou sem riscos; contudo, qual é o papel do Estado? É proibir e achar que, se passar uma radiopatrulha na esquina, o usuário vai deixar de usar a substância? O discurso repressionista é sedutor, mas não resolve nada. Está na hora de o Estado pensar de forma mais coerente, e de a sociedade não se cegar em relação a isso", defendeu o médico psiquiatra Regis Barros.
A defesa de que a criminalização do uso de drogas não evita o uso ou a drogadição foi feita por vários presentes. Andrea Galassi, professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, citou a política antitabagista como exemplo bem sucedido, apontando levantamentos recentes que demonstram redução no número de fumantes no Brasil. "É uma política eficiente, e ninguém pensou em proibir o cigarro", apontou.
A professora elencou ações nas áreas de saúde, de educação, de tributação e de restrição de pontos de venda e de consumo do tabaco como responsáveis pelos bons resultados. "É preciso uma política de drogas responsável e que, de fato, preserve a saúde e a vida das pessoas. Não dá para jogar na vala da proibição para tentar regular o uso", concluiu.
Ana Cavalcanti, da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, também criticou o punitivismo da política atual, que criminaliza e estigmatiza o usuário: "A proibição tem sido a pior forma de cuidar dessas pessoas". Ela destacou, ainda, que as pessoas fazem uso de drogas por motivações específicas e variadas, e que não cabe ao Estado o julgamento moral. "Não estamos pedindo para flexibilizar o uso de drogas e, sim, para flexibilizar as possibilidades de se lidar com as drogas, sem criminalizar as pessoas, o que só afasta do cuidado", argumentou.
"As principais entidades que advogam pela flexibilização são instituições que recebem financiamento internacional da Open Society, que tem interesse nisso", rebateu Quirino Cordeiro Júnior, secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania. O gestor também discordou do discurso que associa a descriminalização do uso de drogas com o combate ao tráfico: "É um equívoco achar que legalizar as drogas vai quebrar a espinha dorsal do crime organizado. O mercado paralelo do cigarro, que é legalizado, movimenta R$ 6 bilhões por ano, fora as taxas que deixam de ser arrecadadas".
Durante a audiência, foi levantada também outra questão relacionada à repressão ao uso de drogas: o recorte socioeconômico. Presidente do Conselho de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF, Soraia Mendes classificou a política de combate às drogas como "seletiva", argumentando que um usuário de drogas do Lago Sul – bairro nobre de Brasília – será tratado de forma diversa de um da periferia, que terá mais chances de ser enquadrado como traficante. "O funcionamento da Justiça Criminal é seletivo e caro. E genocida. Quem morre na guerra contra as drogas são os negros e pobres", lamentou.
Denise Caputo
Fotos: Rinaldo Morelli
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa