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Basta de feminicídios! Viver é um direito, não um privilégio

Publicado em 15/03/2024 13h39

Foto: Ísis Dantas/Gab. Dayse Amarilio

O ano começa com um grande desafio: assumo a Procuradoria Especial da Mulher da Câmara Legislativa do Distrito Federal após um período no qual observamos um crescimento preocupante dos casos de feminicídio na capital federal. Prova disso é que no período entre 2015 e 2024, 186 mulheres perderam suas vidas em razão desse crime. Com estatísticas alarmantes, quando falamos sobre o tema não é possível falar friamente, discorrer como se cada vítima fosse apenas um número. Cada mulher tinha um nome, uma história, sonhos. Tratam-se de vidas. Vidas ceifadas pela violência brutal, que rasga almas, dilacera corações, atravessa corpos e transforma de forma dramática inúmeras famílias para sempre.

Precisamos lembrar que o feminicídio é apenas a ponta de um grande iceberg. O tema é extremamente complexo e envolve uma série de violências que o precedem. O mais angustiante é que, antes da prática do feminicídio, essas vítimas sofrem com “mortes” lentas e paralisantes, que se perpetuam por dias, meses, até anos. Não é algo rápido e indolor, são sucessões de violências, que acabam por “matar” pouco a pouco cada uma dessas mulheres. As estatísticas revelam que até o crime ser consumado, uma mulher pode sofrer cerca de oito anos no ciclo da violência. 

Nesse período, a morte é psicológica, financeira, patrimonial, emocional. O “predador” isola sua “presa”, a retira do seio familiar, ceifa suas oportunidades e seus sonhos e segue se alimentando de seu medo. E muitas vezes quando essa mulher esboça qualquer sinal de luta pela liberdade, infelizmente a morte acaba por encontra-la antes.

Por tudo isso, é essencial que Estado, sociedade civil, família e instituições entendam que quando o feminícidio acontece, ele se dá em razão do machismo estrutural, tão presente e disseminado em nosso dia a dia. O machismo mata, mesmo que não consigamos entende-lo ou visualiza-lo. Mulheres seguem perdendo suas vidas e engrossando as estatísticas simplesmente por serem mulheres.

E o que podemos fazer para acabar com essa realidade que tolhe nossas meninas e mulheres? Cada um de nós tem um papel decisivo para mudar esse cenário. Toda vez que rimos de uma piada machista ou incentivamos discursos que corroborem para perpetuação da violência em razão de uma ideia que a mulher é um objeto do qual o homem tem poder e pode dispor como e quando quiser, estamos fortalecendo o machismo estrutural e toda a teia que envolve e aniquila mulheres.

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), o feminicídio foi o tipo de crime que mais cresceu no DF em 2023 e reflete o terror vivido pelas mulheres na capital federal. Em 2022, foram contabilizados 17 casos no Distrito Federal e, no ano seguinte, o número dobrou para 34 feminicídios. Já as tentativas de feminicídio tiveram um aumento de 110% – o número passou de 37 para 78. E 2024 não começou diferente. O DF iniciou os primeiros meses do ano com o saldo de quatro mulheres brutalmente assassinadas por companheiros ou ex-companheiros. 

Como Procuradora da Mulher da CLDF quero atuar de forma resolutiva nas pautas relacionadas ao combate do feminicídio. Buscarei fiscalizar, atuar de forma propositiva e mapear a situação das mulheres que foram vitimadas e felizmente sobreviveram, além de acompanhar de perto a questão dos órfãos do feminicídio. Com esses subsídios, minha intenção é elaborar um diagnóstico e, junto de diversas entidades, traçar ações transversais.

Necessitamos primeiro travar uma batalha para que tenhamos recursos de forma robusta para ações destinadas às mulheres. A segunda luta é para que esses valores sejam executados em sua integralidade, o que não vem ocorrendo. Um exemplo disso é o orçamento da pasta da Mulher em 2023, ano com maior número de mortes por feminicídio no DF. A pasta deixou de executar 16,53% dos R$ 64,8 milhões autorizados do seu orçamento, deixando em caixa a quantia de R$ 10,7 milhões.

Além do investimento insuficiente, precisamos destacar a necessidade urgente de transversalidade e integração, inclusive na comunicação dos sistemas de atendimento às mulheres vitimadas pelas mais diversas violências. Hoje, as vítimas acabam peregrinando na rede de atendimento e sendo revitimizadas inúmeras vezes. É vital que tenhamos, o mais rápido possível, fluxos institucionais que garantam a proteção dessas mulheres. 

Sei que avançamos muito. Hoje temos boas legislações, mas muitas delas ainda não foram regulamentadas, ou seja, não interferem na realidade ou se tornam efetivas na vida das mulheres. Por isso, cada vez mais precisamos de ações rápidas e concretas que garantam a segurança e a integridade física destas mulheres.

É sabido que a questão é complexa, estrutural e social. Por isso, é urgente que tenhamos uma metanoia social e isso só acontecerá através de uma educação emancipadora e não sexista. Precisamos educar nossos meninos e meninas em todos os espaços, desconstruir o patriarcado e lutar para que mulheres sejam respeitadas e tenham direito às suas vidas. 

O trabalho é grande, mas não fugirei à luta. Como mulher, mãe, filha, parlamentar e agora como Procuradora da Mulher da CLDF espero contar com seu apoio, homem, mulher, cidadão do DF, para ombrear comigo em mais essa batalha! 

Viver é um direito, não um privilégio. Ser livre é viver sem medo”. 

Basta de Feminicídios!

Dayse Amarilio, enfermeira obstetra, professora, deputada distrital pelo PSB-DF e procuradora especial da Mulher da CLDF

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