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Audiência pública debate escassez de profissionais e precarização da saúde no DF

Publicado em 03/12/2025 11h05

Foto: Ângelo Pignaton/Agência CLDF

A servidora pública Doralice Góes participou da audiência e compartilhou seu relato como vítima de botulismo após consumir um alimento contaminado na cidade

A Câmara Legislativa do Distrito Federal debateu, em audiência pública na manhã de terça-feira (2), a falta de nomeações e o dimensionamento de profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS). Iniciativa da deputada Dayse Amarilio (PSB), o encontro reuniu representantes de sindicatos, conselhos e associações da saúde, além de aprovados em concursos, que discutiram a escassez de servidores, os desafios orçamentários e a mobilização contra a terceirização na rede pública.

Durante a audiência, os participantes destacaram que, embora o Fundo Constitucional do Distrito Federal preveja aumento de 3,29% em 2026, ultrapassando R$3 bilhões, o Governo do Distrito Federal (GDF) incluiu no planejamento orçamentário cortes de R$ 919 milhões na educação e R$1,1 bilhão na saúde. Enfatizaram, ainda, que o gasto com profissionais da saúde pública do DF corresponde a 38,95% da receita corrente líquida, percentual já abaixo dos limites de alerta (44,10%), prudencial (46,55%) e máximo (49%) estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal — legislação que define limites máximos para despesas com pessoal em cada esfera de governo.

A presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), Lívia Vanessa Ribeiro, criticou a destinação de recursos do GDF, sem limite de gastos, para outras áreas, como obras e infraestrutura, enquanto a saúde pública enfrenta sucateamento, sobrecarga de trabalho, violência contra profissionais e impactos no estado mental e físico dos servidores. “[Desse jeito] entendemos que a saúde e a educação não são prioridades e são sempre colocadas como muito caras. Mas não tem limite de gastos para obras ou compra de banco”, disse.
 

A presidente do CRM-DF, Lívia Vanessa Ribeiro (Foto: 


Julio Cesar Isidro, conselheiro titular da Associação dos Especialistas em Saúde Pública da Secretaria de Estado de Saúde do DF (AES-SES/DF), destacou que o investimento na saúde corresponde apenas ao mínimo constitucional — cerca de R$13,5 bilhões em um orçamento total de R$74 bilhões. “Se nós dividirmos os R$13 bilhões pelo número de habitantes ou a população que a rede de saúde atende do DF e do Entorno, algo em torno de 5 milhões de pessoas, nós temos um gasto, por habitante, de R$ 219 e alguns centavos. É um valor ínfimo.”

Dayse Amarilio afirmou que a pressão sobre o orçamento precisa ser intensificada e defendeu o fortalecimento dos sindicatos para exigir nomeações na área da saúde em 2026. “No início do ano, temos que fazer uma mobilização mais intensa para que essas nomeações aconteçam em tempo hábil”, frisou a parlamentar.

 

Deputada Dayse Amarilio (Foto: Ângelo Pignaton/Agência CLDF)


Escassez de profissionais

De acordo com a presidente do CRM-DF, atualmente, o DF conta com cerca de 5 mil médicos ativos, mas enfrenta uma vacância equivalente, funcionando praticamente pela metade. Lívia Ribeiro salientou, ainda, que os contratos temporários feitos pelo GDF não solucionam o déficit estrutural de profissionais na rede pública de saúde. “Não temos como prestar cuidados em saúde sem a valorização das carreiras e sem novos contratos. Não tem como ter uma saúde adequada sem investimento e contratações”, enfatizou.

Julio Cesar Isidro reforçou que diversas profissões da carreira de especialistas na saúde estão há mais de duas décadas sem concurso público. “Não temos concurso para fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e assistentes sociais há mais de dez anos. Como manter um trabalho ininterrupto na saúde pública do DF apenas com contratos temporários?”, questionou.

O conselheiro da AES-SES/DF acrescentou que diversos servidores estão atuando com esgotamento físico e mental. “Nós temos, hoje, servidores trabalhando dentro da unidade básica de saúde com soro correndo na veia, com medicação, porque, se parar, milhares de pessoas vão ficar sem assistência”, frisou Isidro.

Déficit na atenção primária

Presente na audiência, o presidente do Sindicato dos Agentes de Vigilância Ambiental em Saúde e Agentes Comunitários de Saúde (Sindivacs-DF), Iuri Marques, destacou que a Lei 5.237/2013 criou 4.550 cargos para agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de vigilância ambiental (AVA), mas apenas 1.394 ACS e 876 AVAs estão em atividade.

 

Iuri Marques (Foto: Ângelo Pignaton/Agência CLDF)


Segundo ele, há 1.956 cargos vagos de ACS e 324 de AVA, o que representa um déficit de aproximadamente 3 mil agentes de saúde. “Como a capital do país tem somente 1.394 agentes comunitários de saúde, cobrindo apenas 30% [da população]? Para cuidar da parte das arboviroses e da vigilância ambiental, [contamos com] 876 AVAs. É muito pouco para fazer o acompanhamento dos domicílios”, ressaltou Marques.

A representante da Comissão de ACS/AVA, Raquel Martins, reforçou que a baixa cobertura dos agentes evidencia o abandono da atenção primária no Distrito Federal. Ela destacou, ainda, que a falta de investimento em prevenção gera perdas financeiras significativas.

“Em razão de um investimento ruim na atenção primária, de uma cobertura baixa, nós temos uma perda entre 200 milhões por ano e acumulando mais de 1 bilhão” pontuou Raquel Martins. “[Quando] nós deixamos de investir na atenção primária, as pessoas adoecem mais, são mais hospitalizadas e isso sobrecarrega o sistema”, frisou.

Precarização da Vigilância Sanitária

Outro problema apontado durante a audiência foi a precarização da Vigilância Sanitária de Saúde do Distrito Federal, que enfrenta grave déficit de profissionais. Há quase 30 anos o órgão não realiza concurso público. O setor conta atualmente com apenas 146 auditores para atender uma população superior a 3 milhões de pessoas.

Segundo o servidor Nathan Lima, da Comissão de Aprovados da Vigilância Sanitária, apenas 10 dos 50 programas de vigilância estão ativos. Atualmente, 25 mil estabelecimentos aguardam licenciamento, sendo que 4 mil pedidos sequer foram analisados. Lima alertou ainda para o risco de colapso da força de trabalho no setor. “Dos 146 auditores, 94 já têm mais de 50 anos e, até 2028, 78 estarão aptos a se aposentar. Se nada for feito, restarão apenas 68 profissionais em campo para atender toda a população”, alertou.

 

Nathan Lima 


“Um ano de UTI, de janeiro a dezembro, em dois hospitais particulares da cidade. Foi um milagre sobreviver, os médicos falam isso. É urgente essa nomeação. Todos nós estamos correndo risco a cada refeição”, Doralice Goes, servidora pública e palestrante em segurança alimentar

A servidora pública Doralice Góes participou da audiência e compartilhou seu relato como vítima de botulismo após consumir um alimento contaminado na cidade. Segundo ela, há um despreparo do sistema de saúde do DF para lidar com a doença e a dificuldade do Estado em fiscalizar estabelecimentos alimentícios. “Comprei um alimento na feira do Lago Sul, que funciona há mais de 8 anos. Não tinha sequer CNPJ ou autorização para fabricar o produto. O Estado foi omisso ao fiscalizar e, com isso, eu quase perdi a vida”, contou.

A audiência pública contou com a presença do deputado Gabriel Magno (PT); do presidente do Sindicato dos Enfermeiros, Jorge Henrique; e do diretor do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem, Manoel Ribeiro Neto. O evento foi transmitido na TV Câmara Distrital, nos canais 9.3 (aberto), 11 da NET/Claro e 09 da Vivo, e está disponível no canal da CLDF no YouTube.
 

Amanda Gonçalves, estagiária sob supervisão de Bruno Sodré/Agência CLDF

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