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Audiência pública avalia implantação de políticas sugeridas pela CPI do Feminicídio

Publicado em 10/03/2022 15h23

Foto: Reprodução/TV Câmara Distrital

Como um dos avanços conquistados, destaque para protocolo adotado pela Polícia Civil de iniciar a investigação de toda morte de mulher no DF pela hipótese de feminicídio

Como um dos avanços conquistados, destaque para protocolo adotado pela Polícia Civil de iniciar a investigação de toda morte de mulher no DF pela hipótese de feminicídio

A Câmara Legislativa (CLDF) realizou audiência pública, nesta quinta-feira (10), para avaliar o andamento das políticas públicas indicadas pelo relatório da CPI do Feminicídio. Apresentado em maio de 2021, o documento reuniu 80 recomendações aos três poderes do DF, incluindo a aprovação de seis projetos de lei, o fortalecimento da integração da rede de proteção e a criação do Observatório do Feminicídio.

A deputada Arlete Sampaio (PT) destacou a importância do relatório: “Produzimos um material extremamente rico que poderia ser um subsídio fundamental para a ação do executivo e dos outros poderes constituídos aqui do DF”. A distrital afirmou que o machismo está sendo estimulado “pelas vozes autoritárias de certos governantes” e que as conquistas históricas não são suficientes para a proteção das mulheres. “Temos que fazer muita coisa ainda para esse contexto mudar, essa sociedade machista, racista, homofóbica ser superada”, reforçou.

Para o relator da CPI, deputado Fábio Félix (Psol), os casos de feminicídio têm aumentado nos últimos anos, embora a subnotificação tenha sido maior durante a pandemia. Como um dos avanços conquistados, ele destacou o protocolo adotado pela Polícia Civil de iniciar a investigação de toda morte de mulher no DF pela hipótese de feminicídio. Ele lembrou a “luta de mais de 50 dias” para a instalação da CPI na CLDF e a dificuldade em levantar as informações. Segundo o distrital, “o Governo do DF não liberou nenhum servidor requisitado nas áreas necessárias para se fazer o trabalho técnico”, o que demonstrou, segundo ele, “a falta de transparência de procedimentos em diferentes órgãos do DF”.

Em sua apresentação sobre a CPI, Félix explicou que foram realizadas dez reuniões extraordinárias; quatro audiências públicas; dez oitivas com secretários e especialistas; quatro reuniões da relatoria participativa; 17 diligências em serviços da rede de atendimento; sete audiências públicas para ouvir movimentos, organizações e frentes da sociedade civil; bem com análise de 90 processos judiciais.

A secretária da Mulher do DF (SMDF), Ericka Filippelli, disse que as sugestões apontadas pelo relatório da CPI já estavam sendo desenvolvidas pela sua gestão. “Me perdoem, mas minha sensação é que, ao prestarmos as informações, foram feitas recomendações em cima do que estava sendo feito”. Entre as ações da SMDF, ela destacou a inauguração do Observatório da Mulher, em julho de 2020; o lançamento do Plano Distrital de Políticas para as Mulheres; e a implantação do Programa de Prevenção ao Assédio na Administração Pública do DF e da Rede Distrital de Proteção à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.

Em resposta, Arlete Sampaio explicou que as críticas da CPI não foram diretamente à SMDF, e que ela reconhece os avanços. “Claro que a CPI se cruza com o que está em andamento na Secretaria e pode ser que em algum momento a gente tenha detectado insuficiências que estão sendo superadas. Ótimo, a gente aplaude que estejam sendo superadas”, afirmou.

Segundo a representante do Levante Feminista Contra o Feminicídio, Cleide Lemos, há um “desmantelo” da política de proteção às mulheres no Brasil e no DF. “Nós queríamos viver plenamente, queríamos ser felizes, e nós ainda estamos lutando para ficar vivas. Isso é muito triste”, lamentou. Para ela, o DF conta com uma rede maior do que a de outros estados, mas que não está devidamente integrada. “Sem políticas integradas não há como salvar vidas. E essa integração na existe”.

A coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do DFT, Cíntia Costa, avaliou que houve alguns avanços a partir da CPI, como o fortalecimento do Conselho do Direito da Mulher e a independência orçamentária e aumento do quadro de pessoal do SMDF. “É claro que o MP reconhece algumas dificuldades específicas para efetivação imediata de parte dessa recomendação, mas sem dúvida várias delas dependem muito mais da boa vontade dos gestores e da consolidação desses fluxos eficientes para a proteção das mulheres vítimas da violência do que de qualquer outra coisa”, afirmou.

A falta de integração dos órgãos de atendimento à mulher também foi criticada pela defensora pública Rita de Castro. “O DF tem uma rede que é muito boa, tem profissionais muito dedicados, mas que tem de fato ainda um problema de integração, de diálogo, e consequentemente retrabalho, que também implica em revitimização”, ressaltou. Ela também defendeu aumento do orçamento para o próprio órgão. “A gente está na defensoria tirando leite de pedra, com pouca estrutura de pessoal e isso decorre não de uma má gestão, mas de uma disputa orçamentária e de uma desvalorização da Defensoria Pública enquanto órgão autônomo no DF”.

Para Rita da Castro, o próprio sistema de justiça está contaminado “pelas questões estruturais da nossa sociedade, que são a raiz da violência contra as mulheres”. Ela destacou a necessidade de se compreender “efetivamente” o que é a violência baseada em gênero. “Estou cansada de ver medida protetiva indeferida por falta de compreensão do tema”. A defensora também defendeu ações de capacitação dos profissionais responsáveis pelo atendimento dessas mulheres.

A doutora em sociologia e pesquisadora da violência contra as mulheres negras, Bruna Pereira, parabenizou o trabalho realizado pela CPI. “Uma implementação integral dessas recomendações presentes no relatório levaria o DF a se tornar uma referência na proteção dos direitos das mulheres”, avaliou. Segundo ela, o quadro retratado pelo relatório da CPI é “muito preocupante” e mostra uma “falha persistente” das políticas públicas. “Os governos têm se mostrado cumplices nas altas taxas de feminicídio e têm falhado em garantir a essas mulheres o direito fundamental que é o direito à vida”.

A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) sugeriu a criação de estrutura na CLDF para o acompanhamento das políticas propostas pela CPI. De acordo com ela, é preciso identificar as violências naturalizadas na sociedade como uma das formas de combater o feminicídio. “As violências, quando não são percebidas como tal, se entranham no tecido social, estabelecem as relações da microfísica do poder que reproduz as grandes estruturas que têm uma verve patriarcal”.
A parlamentar também criticou a diminuição do orçamento federal voltado ao enfrentamento à violência contra a mulher. “Temos por volta de R$ 42 milhões, enquanto já tivemos cerca de R$ 250 no governo Dilma”.

Dados do relatório


Entre 2019 e 2020, houve 50 feminicídios consumados e 149 tentativas do DF, além dos casos subnotificados durante a pandemia. Do total, 71% das vítimas eram mulheres negras e 60% ocorreram em contexto de violência doméstica e familiar. A partir de 2020, por pressão da CPI, a Corregedoria da Polícia Civil incluiu mulheres trans e travestis expressamente nos protocolos de investigação de feminicídio, de acordo com o deputado Fábio Félix.

Entre os problemas apontado pelo relatório, destacam-se a estruturação tardia e a consequente fragilidade institucional da Secretaria da Mulher; o não cumprimento do seu papel de articuladora das políticas de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres; a fragmentação dos serviços; a revitimização das mulheres; e a violência institucional, principalmente nas delegacias.

Mario Espinheira - Agência CLDF