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Recomendações da CPI do feminicídio não estão sendo devidamente cumpridas, avalia relator

Publicado em 24/03/2023 16h35

Foto: Reprodução/TV Câmara Distrital

Fábio Felix demostrou preocupação com a continuidade dos problemas detectados pela CPI

Audiência pública da Câmara Legislativa, realizada nesta sexta-feira (24) na UniProjeção, Taguatinga, debateu o os encaminhamentos do poder público baseados nas mais de 80 recomendações do relatório da CPI do Feminicídio, concluído em maio de 2021. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa, deputado Fábio Felix (Psol), relator da CPI, avaliou que as recomendações não estão sendo seguidas de forma adequada: “A gente não tem conseguido avançar no sentido de construção de política pública capaz de promover a prevenção, que é o fundamental”.

Fábio Felix demostrou preocupação com a continuidade dos problemas detectados pela CPI. “Existe o diagnóstico, existe gente especializada, existe uma sociedade civil combativa que tem se posicionado e atuado em relação ao tema, mas muitos dos encaminhamentos não tem sido tomados da forma adequada e isso tem gerado uma preocupação muito grande”, afirmou. Ele criticou a ausência de representante da Secretaria de Educação na audiência e defendeu um cronograma de reuniões de trabalho com todas as pastas envolvidas no atendimento às mulheres, incluindo as áreas técnicas e de gestão, iniciando pela Secretaria da Mulher.

Para a ativista pelo direito das mulheres, Lúcia Bessa, a luta contra a violência deve ser coletiva: “Cada uma e cada um de nós temos que assumir a responsabilidade de sermos agentes transformadores dessa sociedade que vitimiza mulheres e meninas todos os dias”. Bessa também ressaltou que o Estado tem falhado na proteção às mulheres. “O que nós exigimos é viver livres de toda a violência, de toda opressão, de toda discriminação, de todo racismo, de toda lesbofobia, de todas transfobia, e que vivamos plenamente”, reforçou.

Estudante de direito e coordenadora nacional do Coletivo Juntas, Luisa Valadares disse que a CPI conseguiu “escancarar os dados” e mostrar as falhas do Estado: “O governo Ibaneis consegue ser um compilado de desserviços, de incompetência mesmo no que se refere a nossas vidas”. Ela denunciou a revitimização nos serviços de atendimento e a subnotificação dos casos de feminicídios.

A promotora de justiça Cíntia Costa da Silva, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do DF, ressaltou que feminismo não é o contrário do machismo, mas uma luta pela igualdade. “Não se trata de uma briga de mulheres contra homens. Nós estamos aqui numa briga de mulheres que querem que os direitos de mulheres e homens sejam cumpridos”. Sobre os avanços no atendimento às recomendações da CPI, ela relatou que a Secretaria da Mulher está mais bem estruturada e com orçamento; e há uma aproximação de Secretarias por meio da Rede de Proteção às Mulheres.

Por outro lado, criticou a falta de servidores; a não implantação do protocolo unificado para o atendimento das mulheres, principalmente na Saúde; a falta de pessoal na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher e atraso na inauguração de nova unidade, preferencialmente em Planaltina; e o não funcionamento, há quatro meses, do Conselho dos Direitos da Mulher. “Na verdade, essas recomendações dependem muito mais da boa vontade e do comprometimento dos gestores públicos e dessa consolidação dos fluxos eficientes de proteção à mulher do que de qualquer outra coisa”, enfatizou.

Representante do Levante Feminista Contra o Feminicídio, Cleide de Oliveira Lemos disse que é preciso garantir recursos para os órgãos de acolhimento e proteção às mulheres. “Nós precisamos de um orçamento de gênero para poder ter um enfrentamento ao feminicídio consequente”. Ela chamou atenção para o crescimento do crime contra as mulheres negras e a importância de não deixar que as vítimas sejam esquecidas: “Elas não são só números, foram vidas interrompidas, famílias destroçadas, filhos sem mãe”.

De acordo com a juíza Fabriziane Figueiredo Zapata, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher do Riacho Fundo, foram registradas cerca de 17 mil ocorrências policiais em 2023, sendo que para cada ocorrência normalmente é distribuído um processo de medida protetiva e um inquérito. “É um trabalho imenso. Mas é importante frisar que sistema de justiça como um todo tem se mostrado eficiente”, avaliou. Ela explicou que a justiça trabalha “fomentando a denúncia”, mas que é impossível uma mulher sozinha sair do ciclo de violência. “Muitas escondem porque tem medo e vergonha. O papel da sociedade é muito forte no sentido de acolher, jamais julgar a mulher vítima de violência. A culpa nunca é da mulher. Nunca. Que isso fique bem claro”.

Segundo o coordenador da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios da Secretaria de Segurança Pública do DF, Marcelo Zago, o feminicídio costuma ser o último ato de uma série violenta, portanto pode ser evitado: “O importante é que a gente pare essa escalada da violência para que não chegue ao ato final do feminicídio”.

Ele contou que a Câmara disponibiliza informações importantes para a formulação de políticas públicas e solicitou apoio da sociedade e principalmente da comunidade acadêmica para a análise dos dados. “Nós estudamos todos os casos de feminicídio consumados e tentados desde março de 2015 até hoje. Temos isso tudo mapeado. Desse mapeamento a gente conseguiu tirar vários insights para a construção de políticas públicas mais eficientes”, explicou.

O subsecretário de Assistência Social da Secretaria de Desenvolvimento Social, Coracy Coelho, afirmou que a pasta está buscando a celeridade na concessão de benefícios eventuais recebidos por mulheres vítimas de violência, conforme recomendação da CPI. Também disse que há previsão de zerar o cadastro reserva do concurso público e realizar um novo certame, bem como de implementar mais dois Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) no DF.

De acordo com a secretária Executiva da Mulher, Jackeline de Aguiar, um dos principais desafios da pasta é integração da rede de proteção e atenção à mulher. Ela também destacou a reestruturação do Observatório do Feminicídio, a nomeação de 66 novos servidores e a abertura de novo concurso com mais 400 vagas para a Secretaria.

Relatório


Instalada em 2019, a CPI do Feminicídio apresentou relatório em maio de 2021 com 80 recomendações aos três poderes do DF, incluindo a aprovação de seis projetos de lei, o fortalecimento da integração da rede de proteção e a criação do Observatório do Feminicídio. A análise de 90 processos judiciais de tentativas (53) e de feminicídios consumados (37) mostrou que nenhuma vítima foi atendida por serviços especializados. Quase a metade (48,6%) estava sob medidas protetivas de urgência e 72% haviam relatado violência pelos mesmos agressores.

A CPI realizou dez reuniões, quatro audiências e oitivas com a participação de secretários do GDF e especialistas; quatro reuniões da relatoria participativa; 17 diligências na rede de atendimento; além de sete audiências públicas e oitivas com movimentos, organizações e frentes da sociedade civil.

Mario Espinheira - Agência CLDF